Os animais irracionais têm, entre outras inúmeras vantagens quando comparados a nós, uma que, a meu ver, se destaca. O fato de nunca pensarem, simplesmente porque não têm essa noção, a respeito da própria morte. Ao contrário de nós, seres humanos, eles não ficam antecipando, num exercício inútil e masoquista, o “quando” e o “como” será seu livramento das amarras do invólucro carnal. Animais irracionais não vivem senão no presente, para eles existe apenas o “agora” (que, no fim das contas, é realmente o único tempo que existe, mas nós insistimos em viver presos, ora no passado, ora no futuro, o que é igualmente inútil e masoquista...).
Eu penso muito na Morte. Normalmente com terror, não por ela em si, mas pelo que vem após. Não sou uma boa pessoa. Não me vejo salvo, por mais que a ideia me agrade e eu queira escapar da Eterna Grelha e da perpétua companhia das mais asquerosas pessoas que já existiram neste planeta. Penso então na Morte não como o fim dos sofrimentos, mas na troca de vários problemas temporários por um único problema eterno: a danação, a ausência de Deus e o ranger de dentes.
Por outro lado, imagino que saber quando morrerei me faria muito mais mal do que bem. Porque, à medida que fosse chegando o Dia, eu ficaria cada vez mais desesperado, além da razão óbvia haveria a frustração de não conseguir fazer tudo que eu quero antes do Fim. Na verdade, praticamente nunca fiz o que quero nem nas cinco décadas nas quais já existi.
Só um motivo se me afigura válido para desejar a antecipada ciência do dia do meu Passamento. Tacar fogo em tudo que já produzi em termos de textos e de desenhos. E por que isso?
Primeiro porque gostaria de poupar aos meus filhos o trabalho de se livrar das tranqueiras deixadas pelo pai morto. Depois, porque vivo cada vez mais uma relação de amor e ódio (cada vez menos amor e cada vez mais ódio) com a parcela da minha produção que ainda mantenho comigo. Tantas boas ideias que poderiam (se eu estivesse no lugar certo na hora certa e conhecesse as pessoas certas) ter me dado, como diria Roger Waters, “fame, fortune and glory”, ou, como disse Robert Plant diante de suas polaroides, “poder, mistério e o martelo dos deuses”. Mas, no fim, por uma série de circunstâncias, nunca me renderam nada, a não ser expectativas seguidas de frustrações...
E se o autor das obras arderá em chamas que não se extinguirão jamais, por que a obra mesma não pode ser queimada pelo efêmero fogo da dimensão do aquém?
São Luís de Montes Belos, 03/09/2022, sábado, 20h40.
E falando além da conta, acabei me esquecendo de o "quase". Bem eu creio nas promessas de Jesus, acho que isso já sintetiza tudo.
ResponderExcluirNotei um erro no comentário acima. Sou de uma geração qua ainda não se habituou a escrever num aparelho que é menor que minha mão.